Educação centralizada sob uma perspectiva libertária - por Vinícius Scheffel



Educação centralizada sob uma perspectiva libertária
Por Vinícius Scheffel

Investigação da raiz do problema

Educação é centralizada pelo Estado

A nossa era é caracterizada por certas instituições que são consideradas basilares. As pessoas, em geral, acreditam piamente que essas instituições são necessárias para manter a ordem, o progresso e a vida em sociedade. Uma dessas instituições é o Estado. Contudo, se analisarmos com cuidado o complexo sistema de relações interpessoais que existe hoje – a grandiosa rede de processos de produção que contam com o conhecimento descentralizado de milhares de pessoas que talvez sequer se conheçam, isto é, a divisão de trabalho que forma a economia atual –, podemos perceber que a verdadeira base da sociedade é, de maneira categórica, a propriedade privada.

“Todas as civilizações, até os dias de hoje, foram baseadas na propriedade privada dos meios de produção. No passado, civilização e propriedade privada sempre andaram juntas. Aqueles que sustentam que a economia é uma ciência experimental, e apesar disso recomendam o controle estatal dos meios de produção, se contradizem lamentavelmente. Se pudéssemos extrair algum ensinamento da experiência histórica, este seria o de que a propriedade privada está inextricavelmente ligada à civilização.”[1]

Sendo assim, como as grandes massas possuem a crença de que o Estado, que é antagônico à propriedade privada, é a estrutura sobre a qual repousa a sociedade? A resposta para esta questão reside no cerne do arcabouço que forma as crenças e opiniões das grandes massas: a educação.

A educação é, na atualidade, centralizada pelo Estado de forma brutal. O Estado centraliza a educação de modo direto através das escolas públicas, e de forma indireta através das escolas privadas, que são integralmente reguladas pelo Ministério da Educação, no Brasil. Dessa forma, toda a educação formal dos indivíduos na infância, juventude e até mesmo na fase adulta, em alguns casos, está sujeita a ser moldada pelas vontades e interesses dos funcionários públicos, e estes estão sujeitos às normas estatais. Além disso, a falta de liberdade e concorrência neste setor trará o mesmo resultado drástico que quando aplicada em qualquer outro setor econômico: a qualidade do serviço tende a diminuir e o preço tende a aumentar.

Qualquer pessoa séria concorda e percebe que a educação, em geral, é uma das coisas mais importantes no início da vida de uma pessoa. É isto, em grande parte, que garantirá que ela tenha a base de conhecimento necessário para começar uma vida adulta plena. A grande questão é que as pessoas, com as suas características, sonhos, metas, vontades e aptidões, possuem graus de educabilidade diferentes, e isso engloba as diversas maneiras com que essa pessoa tem facilidade ou dificuldade de aprender. A estupidez supina de centralizar e monopolizar a educação causará o desmantelamento daquilo que seria mais importante neste serviço: uma variedade gigantesca de ideias diferentes sendo postas em prática, fornecendo um serviço educacional adequado para a demanda das diferentes pessoas. Isto é, a questão magna sobre a educação, que vem sendo debatida há séculos, de qual seria a melhor maneira de prover educação, não surgirá de um indivíduo, ou de um grupo central que dite o sistema, mas sim de uma livre concorrência de ideias através do sistema de mercado.

Como resultado dessa centralização educacional, possuímos uma educação com péssima qualidade, com uma variedade de modelos risível e preços cada vez mais altos. Dever-se-ia entender tal resultado como um incentivo para descentralizar a educação, mas a engenharia educacional utilizada pelo Estado é tão bem desenhada que a baixa qualidade da educação é utilizada como argumento para reforçar a centralização estatal da educação. E, assim, as pessoas confiam na solução do político que pretende aumentar investimentos em educação, continuando o ciclo funesto e vil da alienação que assola os indivíduos.

MEC

Os problemas existentes no ensino público poderiam não existir no ensino privado, se ele de fato fosse privado. Não é a realidade que impera no Brasil. Através do Ministério da Educação, o Estado regula tudo aquilo que deseja no âmbito educacional. Se ele perceber que não está regulando o suficiente, ele pode aprovar novas leis para isso. O MEC regula desde a educação infantil até o ensino superior. Isto significa que, em média, o Estado está moldando o conhecimento, e tudo o que dele deriva, por preocupantes trinta anos da vida individual.

Suponha que uma pessoa queira abrir uma escola com um molde totalmente diferente daquele normalizado pelo MEC, percebendo que existem maneiras mais eficientes, profícuas e econômicas para fornecer um serviço educacional diferenciado, talvez mais divertido; ou uma maneira nova para as pessoas aprenderem mais rápido, de forma que os interessados possam contratar este serviço de forma voluntária. Esta pessoa está proibida por lei, isto é, através de força coercitiva, de abrir essa escola. Ela teria que adaptar as suas ideias até que elas se encaixassem nas normas do MEC. O resultado é que as novas ideias dessa pessoa não seriam transformadas num serviço, e os indivíduos em geral não teriam a possibilidade de contratar voluntariamente tal serviço. É evidente que isso enfraquece o progresso civilizatório. Como diz Mises, “Ideias e somente ideias podem iluminar a escuridão.”, e o Estado possui muitos incentivos para não deixar que os indivíduos acendam a luz.

Qual o interesse do Estado em centralizar a educação

Através do raciocínio lógico, por meio da razão, atributo de todos os seres humanos, é possível concluir que os indivíduos que compõem o Estado praticam ações antiéticas, espoliando toda a população. Tendo esta verdade em mente, então, por qual motivo o Estado é respeitado? Mais que isso, por que ele é louvado? Por que ele é tido como mantenedor da ordem e justiça? O Estado tem ciência da resposta para estas perguntas. As pessoas respeitam o Estado porque sofrem um processo de educação que consolida como válidas as ações que, quando são friamente analisadas, são antiéticas. Um exemplo rápido seria o seguinte: um grupo de pessoas aponta armas para uma outra requisitando parte da sua renda; as pessoas em volta dessa situação ficariam chocadas, e, quase instantaneamente, julgariam essas pessoas como assaltantes. Agora, se o grupo de pessoas estiver uniformizado, recolhendo os impostos da outra pessoa, com os argumentos falaciosos de que o imposto é o que garante a vida em sociedade, e que é uma obrigação dessa pessoa contribuir porque ela justamente vive em sociedade, então essa ação já é vista de forma inteiramente diferente pelas pessoas.

O Estado justamente centraliza a educação para realizar um processo de anestesia mental nos indivíduos, de forma que, aos poucos, os indivíduos comecem a perder as suas convicções próprias e passem a enxergar o Estado como uma entidade benevolente, que fornece educação, segurança, qualidade de vida, justiça para todos e uma série de supostos direitos. O Estado necessita que a maioria das pessoas pense da mesma forma, e da forma que ele planeja. Quando as massas pensam de forma padronizada, o Estado tem facilidade para crescer, tornar-se mais forte e rigoroso. Além disso, o advento do totalitarismo e dos regimes controladores de todos os aspectos da vida em sociedade torna-se possível. Estas são as piores formas de organização da sociedade que já existiram, ocorrendo quando o Estado absorve quase que totalmente a liberdade individual, e podemos perceber isto em momentos históricos como no nazismo de Hitler, no socialismo de Stalin ou no fascismo de Mussolini. Essa concentração de poder, poder-se-ia argumentar, talvez fosse depositada nas mãos de pessoas boas, um Estado que seja forte mas que seja formado por indivíduos de caráter impecável. Mesmo que isso acontecesse, os indivíduos ainda seriam marionetes do Estado, e a sua liberdade e propriedade seriam violadas. Todavia, isso tende a não acontecer. Como escreve Lord Acton, “Todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe de maneira absoluta”.

Cito Hayek:
“Há três razões principais para que um grupo numeroso, forte e de ideias bastante homogêneas não tenda a ser constituído pelos melhores e sim pelos piores elementos de qualquer sociedade. De acordo com os padrões hoje aceitos, os princípios que presidiriam à seleção de tal grupo seriam quase inteiramente negativos. Em primeiro lugar, é provavelmente certo que, de modo geral, quanto mais elevada a educação e a inteligência dos indivíduos, tanto mais se diferenciam os seus gostos e opiniões e menor é a possibilidade de concordarem sobre determinada hierarquia de valores.

Disso resulta que, se quisermos encontrar um alto grau de uniformidade e semelhança de pontos de vista, teremos de descer às camadas em que os padrões morais e intelectuais são inferiores e prevalecem os instintos mais primitivos e “comuns”. Isso não significa que a maioria do povo tenha padrões morais baixos; significa apenas que o grupo mais amplo cujo valores são semelhantes é constituído por indivíduos que possuem padrões inferiores. É, por assim dizer, o mínimo denominador comum que une o maior número de homens. Quando se deseja um grupo numeroso e bastante forte para impor aos demais suas ideias sobre os valores da vida, jamais serão aqueles que possuem gostos altamente diferenciados e desenvolvidos que sustentarão pela força do número os seus próprios ideais, mas os que formam a “massa” no sentido pejorativo do termo, os menos originais e menos independentes. Se, contudo, um ditador em potencial tivesse de contar apenas com aqueles cujos instintos simples e primitivos são muito semelhantes, o número destes não daria peso suficiente às suas pretensões. Seria preciso aumentar-lhes o número, convertendo outros ao mesmo credo simples.

A esta altura entra em jogo o segundo princípio negativo da seleção: tal indivíduo conseguirá o apoio dos dóceis e dos simplórios, que não têm fortes convicções próprias mas estão prontos a aceitar um sistema de valores previamente elaborado, contando que este lhes seja apregoado com bastante estrépito e insistência.”[2]

A forma de educação planejada pelo Estado é pensada para que, quando absorvida pela sociedade, ela se torne dependente das interações artificiais com o próprio Estado. As interações naturais com a família, amigos e mercado começam a ser substituídas pelas interações artificiais com o Estado. Modificando as interações, modifica-se a composição da sociedade como um todo, e ela gradativamente se torna enfraquecida mental e fisicamente. Uma sociedade mentalmente frágil está suscetível às inclinações estatais, às suas vontades, aos seus ensinamentos e as suas mentiras, tornando-se obediente ao Estado.
Cito Rothbard:
“A doutrina de obediência ao estado foi o primeiro objetivo do pai do sistema de escolas públicas na Carolina do Norte, Archibald D. Murphey. Em 1816, Murphey planejou um sistema de escolas estatais da seguinte maneira:
todas as crianças serão ensinadas nelas [...] nestas escolas os preceitos de moralidade e religião devem ser inculcados, e hábitos de subordinação e obediência formados. [...] O estado, no calor de sua solicitude para o bem-estar, deve se encarregar dessas crianças, e colocá-las na escola onde suas mentes podem ser esclarecidas e seus corações podem ser treinados para a virtude.
Pela década de 1820, os objetivos da coerção e do estatismo já estavam germinando pelo país, e particularmente florescendo na Nova Inglaterra, embora a tradição individualista ainda fosse forte. Um fator que aumentou o poder da Nova Inglaterra em difundir a ideia coletivista na educação foi a enorme migração daquela região. Habitantes da Nova Inglaterra invadiram o sul e o oeste para além de suas terras e levaram consigo o zelo pelo ensino público e pela coerção estatal. Nesta atmosfera, foi injetado o mais perto que o país tinha visto da ideia de Platão, o controle total do estado comunista sobre as crianças. Este era o plano de dois dos primeiros socialistas na América, Frances Wright e Robert Dale Owen. O objetivo principal deles foi promover seu sistema de educação obrigatória. Wright e Owen descreveram seu esquema assim:
É uma educação nacional, racional e republicana; gratuita para todos à custa de todos; conduzida sob a tutela do estado, e para honra, a felicidade, a virtude e a salvação do estado.
O objetivo principal do plano era que a igualdade fosse implantada nas mentes, hábitos, costumes e sentimentos, de modo que, eventualmente, fortunas e condições seriam equalizadas… Um segundo objetivo é ter igualdade e uniformidade absolutas, e um sistema de escolaridade obrigatória foi visto por Owen e Wright como ideal para a realização dessa tarefa. Primeiro, os hábitos, mentes e sentimentos de todas as crianças deveriam ser moldados numa igualdade absoluta; e depois a nação estaria madura para o passo final da equalização da propriedade e renda, por meio da coerção do estado.”[3]
Uma vez que as pessoas percebem como verdade aquilo que o Estado prega, a ética estará relativizada, e a moral da sociedade manipulada pelo Estado. Então, o Estado pode manter o ciclo de aprisionamento mental, fazendo com que as pessoas deleguem a ele a tarefa educacional, e, além disso, realizar um processo de aprisionamento físico, retirando os mecanismos de autodefesa da sociedade, como, por exemplo, as armas. Uma sociedade intelectual e fisicamente frágil é uma sociedade que não mais conseguirá ser independente do Estado, estando à mercê dos seus desejos que, como já vimos anteriormente, provavelmente serão do mais baixo nível moral.

Breve anatomia do Estado

O que é o Estado

O ser humano é naturalmente pobre. Ele precisa gastar a sua energia para pensar e realizar ações que produzam aquilo que ele necessita para sobreviver. Podemos pensar em um ser humano em uma ilha. Se ele não trabalhar, gastando a sua energia para coletar recursos, ele irá morrer de fome. Não existe uma entidade mágica que possa garantir os seus alimentos gratuitamente. E essa entidade é impossível, não pode existir. Toda riqueza que é gerada necessita que pelo menos um indivíduo tenha realizado ações para produzi-la. Ao passar do tempo, se o indivíduo conseguir acumular uma certa quantidade de riqueza, ele pode investir parte do seu tempo para melhorar a tecnologia que utiliza, de forma que, no futuro, ele produza mais do que produz agora. Pelo axioma da ação humana, o ser humano sempre busca sair de uma situação menos confortável para uma mais confortável. É natural que ele procure mais bens do que menos bens.

Disso, segue que é esperado que em um grupo de seres humanos, forme-se uma economia de mercado, que é produção e troca entre indivíduos baseadas na propriedade privada, porque isto possibilita a divisão do trabalho, a maneira mais eficiente de produção. Portanto, podemos perceber que os seres humanos naturalmente tendem a cooperar entre si, baseados na propriedade privada.

Cito Mises:
“A divisão do trabalho, com sua contrapartida, a cooperação humana, constitui o fenômeno social básico. A experiência ensina ao homem que a ação em cooperação é mais eficiente e mais produtiva do que a ação isolada de indivíduos autossuficientes. As condições naturais determinantes da vida e do esforço humano fazem com que a divisão do trabalho aumente o resultado material por unidade de trabalho despendido. “[4]

Segundo Franz Oppenheimer, existem duas formas exclusivas entre si de se adquirir riqueza. A primeira forma é o meio econômico, explicado acima. A segunda forma, antinatural, é denominada por ele meio político. Esta forma de adquirir riqueza é realizada através do confisco de bens daqueles que os produziram através da força e violência. Este meio é o meio da violação de propriedade, parasítico e explorador, pois em nada agrega na sociedade, apenas destrói; em nada adiciona na produção, apena subtrai.

“O “meio político” desvia a produção para um indivíduo — ou grupo de indivíduos — parasita e destrutivo; e este desvio não só subtrai da quantidade produzida como também reduz o incentivo do produtor para produzir além de sua própria subsistência. No longo prazo, o ladrão destrói a sua própria subsistência ao diminuir ou eliminar a fonte do seu próprio suprimento. Mas não só isso: mesmo no curto prazo, o predador age contrariamente à sua natureza como ser humano. “[5]

Podemos definir o Estado, finalmente, como sendo a organização do meio político. O Estado é a organização social que visa a manter o monopólio do uso da força e da violência em uma determinada área territorial. É a formação de um sistema predatório legitimado através de um ordenamento jurídico e do monopólio da força. Crimes em geral, quando realizados por indivíduos fora do Estado, não são sistêmicos e são vistos da forma que são em sua natureza: antiéticos. Todavia, os crimes realizados pelo Estado não são vistos dessa forma, porque ele fornece um meio legal para a depredação da propriedade privada.

Cito Rothbard:
“Dado que a produção tem sempre de preceder qualquer depredação, conclui-se que o livre mercado é anterior ao estado. O estado nunca foi criado por um “contrato social”; ele sempre nasceu da conquista e da exploração. O paradigma clássico é aquele de uma tribo conquistadora que resolveu fazer uma pausa no seu método — testado e aprovado pelo tempo — de pilhagem e assassinato das tribos conquistadas ao perceber que a duração do saque seria mais longa e segura — e a situação mais agradável — se ela permitisse que a tribo conquistada continuasse vivendo e produzindo, com a única condição de que os conquistadores agora assumiriam a condição de governantes, exigindo um tributo anual constante.“ [6]

O que não é o Estado

A maioria das pessoas consideram o Estado como sendo uma instituição que garante a ordem e progresso da civilização. Outros, acham que a sua constituição é a de servir a população garantindo a propriedade privada, sendo, então, a base para que exista o mercado. Ainda, existem aqueles que o consideram um mal necessário, até mesmo ineficiente, mas necessário. Nas escolas, é ensinado que o Estado “somos nós”, e, com o conhecimento que construímos até aqui, neste artigo, sabemos que, provavelmente, existe um propósito maléfico para as pessoas serem ensinadas dessa forma.
“O termo coletivo útil “nós” permite lançar uma camuflagem ideológica sobre a realidade da vida política. Se “nós somos o estado”, então qualquer coisa que o estado faça a um indivíduo é não somente justo e não tirânico, como também “voluntário” da parte do respectivo indivíduo. Se o estado incorre numa dívida pública que tem de ser paga através da cobrança de impostos sobre um grupo para benefício de outro, a realidade deste fardo é obscurecida pela afirmação de que “devemos a nós mesmos” (ou “a nossa dívida tem de ser paga”); se o estado recruta um homem, ou o põe na prisão por opinião dissidente, então ele está “fazendo isso a si mesmo” — e, como tal, não ocorreu nada de lamentável.” [7]
Existe uma diferença absoluta e plena entre “nós” e o Estado. É preciso enfatizar que quando o cobrador de impostos retira parte da produção de um trabalhador, ele não está apenas transferindo o dinheiro do trabalhador para realizar objetivos que são desse próprio trabalhador, e que, talvez, ele nem saiba que os tenha, mas eles são com certeza de importância para ele. Não. O Estado está literalmente roubando parte da produção desse trabalhador, para realizar quaisquer que sejam os objetivos, impedindo que o trabalhador determine os fins que escolher para tais bens que ele teve o trabalho de produzir.

“Devemos, portanto, enfatizar a ideia de que “nós” não somos o estado; o governo não somos “nós”. O estado não “representa” de nenhuma forma concreta a maioria das pessoas . Mas, mesmo que o fizesse, mesmo que 70% das pessoas decidissem assassinar os restantes 30%, isso ainda assim seria um homicídio em massa e não um suicídio voluntário por parte da minoria chacinada. Não se pode permitir que nenhuma metáfora organicista, nenhuma banalidade irrelevante, obscureça este fato essencial.” [8]

Da ética libertária

O que é libertarianismo

Libertarianismo é uma doutrina filosófica a qual defende as ideias de que não é legítimo iniciar agressão contra não agressores, sendo que agressão é definida como violação de propriedade privada. Essas ideias são justificadas, através do método único de justificação, que é a argumentação, e podem ser reconhecidas como verdades dadas a priori. A ética libertária estabelece o direito de propriedade privada de cada indivíduo, e essa ética deve ser seguida por todo indivíduo que justifica as suas ações de maneira racional, visto que é impossível justificar uma ação que viole o direito de propriedade privada sem que se caia em contradição performativa.
É necessário perceber que libertário é o indivíduo que segue e defende a ética libertária porque percebe que ela é correta, justa, válida, racionalmente defensável, e não porque ela é a mais útil, ou que trará maior conforto às pessoas. Mesmo em uma realidade hipotética onde o seguimento da ética
libertária nos levasse para um estado de pobreza, ainda assim o libertário a defenderia. Uma feliz coincidência é que o seguimento da ética libertária nos leva para o sistema econômico mais profícuo possível. Se em uma sociedade prevalecer o respeito à ética libertária, de forma que a maioria dos indivíduos sejam libertários, então podemos dizer que essa sociedade é libertária, e o sistema econômico que exsurge de uma sociedade libertária é o anarcocapitalismo.
O que é ética

A ética é uma regra que, se for seguida, evita conflitos entre indivíduos. Conflito é definido como sendo uma impossibilidade praxeológica entre dois indivíduos ou mais que tentam utilizar um recurso escasso para fins excludentes simultaneamente; ou seja, quando isso acontece, os indivíduos entram em choque, e no máximo um deles conseguirá realizar o fim que almeja com o recurso.
Se a ética for seguida por todos os indivíduos, os indivíduos nunca podem entrar em conflito. Isto é, não podem existir contradições internas quando a ética é aplicada indefinidamente. Se a ética gerar um conflito interno, ela não será considerada ética, por definição. A ética é normativa, o que significa que ela diz o que deve ser feito. Isto implica no fato de que a ética pode ser violada, pois, indivíduos podem escolher não seguir a ética. Se ela fosse descritiva, seria como a Lei da Gravidade: impossível de ser quebrada. Ninguém consegue voar se escolher fazer isso, mas uma pessoa que escolhe agredir a outra pode conseguir atingir o seu fim.

Já vimos que a ética é normativa, e, normas, em geral, precisam respeitar o princípio da universalização para serem justificadas: apenas normas que podem ser universalizadas, isto é, formuladas como princípios gerais que sem exceção são válidos para todos os indivíduos podem ser justificadas.
Qual seria a ética a ser seguida, então? Podemos justificar que única regra válida, que pode ser justificada racionalmente sem que haja contradições, é a norma de propriedade privada. A justificativa para isto se dá em 5 proposições:

􀀀 Todas as tentativas de afirmar que uma proposição é verdadeira, falsa, indeterminada, ou se um argumento é válido ou não, ocorrem e são justificadas no curso de uma argumentação. Essa proposição não pode ser tomada como falsa sem cair em uma contradição, porque a tentativa de refutá-la se daria justamente através da argumentação. (proposição descritiva verdadeira e a priori)
􀀀 Para justificar alguma proposição, é necessária a argumentação. Disso, podemos concluir que toda e qualquer tentativa de justificar uma ética é, necessariamente, através da argumentação. (proposição descritiva verdadeira e a priori)
􀀀 Na argumentação está implícito, como condição formal a priori, o reconhecimento do direito de autopropriedade. (proposição descritiva verdadeira e a priori)
􀀀 Se uma pessoa argumentasse contra o direito de autopropriedade, ela cairia em contradição performativa, visto que no ato de argumentar ela já demonstra reconhecer esse direito. (proposição descritiva verdadeira e a priori)
􀀀 Logo, a única ética que pode ser justificada racionalmente é a ética libertária, da propriedade privada. As outras éticas podem ser propostas, mas o indivíduo que as propõe cai em contradição performativa. (proposição descritiva verdadeira e a priori)

Dessa forma, podemos utilizar este argumento irrefutável, uma verdade que pode ser reconhecida a priori, para refutar qualquer tentativa de defender um modelo de Estado.

Porque é antiético o Estado existir

O Estado possui certas condições formais e materiais para que seja concretamente existente. Uma dessas condições, necessariamente, é o imposto. O imposto é o confisco, através da utilização da força, de parte dos bens de um indivíduo. Em outras palavras, o imposto é uma agressão, uma violação de propriedade privada. Como uma das condições de existência do Estado envolve ações que são naturalmente antiéticas, segundo o sistema normativo que segue da ética libertária já definida, então podemos concluir que a existência do Estado é antiética. Se existe um Estado em determinado território, sabemos, com certeza, que existem ações antiéticas sendo praticadas de forma sistêmica dentro desse território.

Porque é antiético centralizar a educação

A educação é um serviço. As pessoas poderiam contratar um serviço educacional da mesma forma que contratam uma equipe de segurança para proteger a sua residência, ou uma equipe de jardineiros para tornar belo o seu jardim. A centralização, como discutida neste artigo, é tão grave e antiética como centralizar qualquer prestação de serviços ou produto. Ela é a mais pura e clara violação de propriedade privada, o impedimento coercitivo da prestação de um serviço plenamente pacífico. Desta forma, qualquer forma de regular e centralizar a prestação de serviços e produtos de mercado é antiética pois viola propriedade privada, e com a educação não poderia ser diferente.

Se um indivíduo, dentro da sua propriedade, oferece um serviço para terceiros, que contratam este serviço, essa pode ser considerada uma troca. Todas as trocas são pacíficas e contam com o consentimento de ambos os indivíduos. Não houve qualquer tipo de violação de propriedade. Desta forma, não houve iniciação de agressão. No momento que o Estado impedir, através da lei, e, por conseguinte, da força, este indivíduo de prover tal serviço, ele, por si mesmo, estará iniciando agressão. Toda iniciação de agressão é antiética.

Vouchers

A direita e os liberais de hoje em dia defendem uma ideia para substituir o sistema público de ensino, chamada de voucher escolar. O Estado emite um certificado de financiamento (o voucher), e os transfere para as famílias que possuem crianças na faixa etária escolar. Depois disso, as famílias colocam as suas crianças em uma escola privada que escolherem, e realizam o pagamento da mensalidade através do voucher.
A principal motivação para a defesa de tal mecanismo é a que, dessa forma, existiria uma grande competição entre as escolas privadas, e, como consequência da competição, as escolas tenderiam a ter uma maior qualidade de ensino e mensalidades mais baratas. Analisando desta forma, parece ser uma
excelente ideia. Contudo, ao analisarmos friamente as consequências, podemos perceber que não se trata de uma solução válida ou sustentável.
Toda as escolas privadas que participarem deste mecanismo estarão se tornando mais um mecanismo para o controle dos burocratas estatais, porque são eles que detém o controle do dinheiro dos vouchers, que pagam a mensalidade das escolas. Se o Estado controla o dinheiro, então, eles estarão também em controle de como as escolas devem agir. Naturalmente, as escolas estarão ansiosas pelo dinheiro, realizando as ações desejadas pelo Estado. 

Mais do que isso, os vouchers são pagos pelo Estado, e o Estado paga as suas contas através dos impostos, que são roubos sistêmicos da propriedade dos indivíduos. Assim, a solução dos vouchers é definitivamente antiética, e, ao invés de diminuir a atuação do estado na educação, na verdade, a aumenta.
Cito Lew Rockwell:
“Na melhor das hipóteses, os vouchers são uma tentativa cara e perigosa de reinventar o conceito de escola pública, uma tentativa fadada ao fracasso. Na pior das hipóteses, vouchers são uma tentativa de forçar as escolas privadas a funcionar exatamente como as escolas públicas.
Apenas imagine toda a burocracia e todas as regulamentações que seriam impostas sobre as escolas privadas em troca desse enorme subsídio que elas agora receberiam do governo? Com o governo estando efetivamente no controle das escolas privadas, elas rapidamente passariam a funcionar como escolas públicas.”[9]

Educação ser um direito

As pessoas têm falado muito sobre direitos, ultimamente, sendo que a maioria sequer sabe o que eles significam. Se fala sobre direitos trabalhistas, direitos à saúde, direitos à educação, e assim por diante. Se é verdade que todo indivíduo tem direito à educação, então é verdade que todo indivíduo tem o dever de pagar por essa educação, e, no Estado atual, as pessoas a pagam através dos impostos. O Estado não se importa se a pessoa que está pagando impostos para financiar a educação utilizará este serviço, se ela quer este serviço, ou se ela quer pagar aos outros este serviço. Através da utilização de força, elas simplesmente são obrigadas a pagar, porque, supostamente, as outras pessoas
possuem o direito de receber tal educação. Portanto, para que o direito à educação seja mantido, ele requer ações obrigatórias por parte de outras pessoas.

Sabemos, com o que estabelece a Ética Libertária, que todo indivíduo tem o direito de propriedade privada sobre o seu corpo e sobre aquilo que produz. Para este direito ser mantido, ele não requer ações por parte de outras, mas sim, que elas simplesmente não ajam de tal forma que inicie agressão. A partir disso, podemos depreender que o direito à educação viola o direito à propriedade privada, porque, para a sua existência, ele requer que as pessoas paguem por esta educação, que elas paguem impostos, e isto é roubar parte da produção dos indivíduos. Em outras palavras, o direito à educação entra em contradição com o direito à propriedade privada.
“Nos últimos anos as forças do ensino público vêm difundindo a doutrina de que “toda criança tem direito à educação”, e que, portanto, os pagadores de impostos devem ser coagidos a concedê-las este direito. Este conceito, no entanto, é uma interpretação totalmente errônea do conceito de “direito”. Filosoficamente, um “direito” deve ser algo inerente à natureza e à realidade do homem, algo que pode ser preservado e mantido a qualquer momento, em qualquer época. O “direito” à autopropriedade, a defesa da vida e propriedade, é claramente um desses direitos; ele se Educação 160 Murray N. Rothbard aplica tanto aos neandertais que viviam nas cavernas quanto à Calcutá ou aos Estados Unidos dos dias de hoje. Tal direito independe de tempo ou espaço. Porém o “direito a um emprego”, a “três refeições por dia” ou a “doze anos de educação” não pode ser garantido da mesma maneira. Suponhamos que tais coisas não possam existir, como de fato ocorria na época dos neandertais ou ocorre na Calcutá atual? Falar de “direito” referindo-se a algo que só pode ser garantido nas condições industriais contemporâneas não é, de maneira alguma, falar de um direito humano e natural. Além disso, o “direito” libertário à autopropriedade não exige a coerção de um grupo de pessoas para que elas proporcionem este direito a um outro grupo. Todo homem pode gozar do direito à autopropriedade, sem a necessidade de qualquer coerção especial sobre os outros. No entanto, no caso do “direito” à educação, ele só pode ser garantido se outras pessoas forem coagidas a satisfazê-lo. O “direito” à educação, a um emprego, a três refeições etc., não é, portanto, inerente à natureza humana, e precisa, para ser satisfeito, da existência de um grupo de pessoas exploradas que sejam coagidas para garanti-lo.”[10]

Correções

Ao invés da educação ser considerada um direito, e ela de fato não é, deveríamos encará-la exatamente como ela é: um serviço que surgiria naturalmente pela demanda das pessoas. Com o direito de propriedade privada conservado, teríamos a solução completamente ética, e, como consequência, a autonomia e a liberdade de escolha dos indivíduos prevaleceria, incentivando todo um sistema de competição entre as pessoas que tiverem ideias para fornecer tal serviço. Em um sistema assim, as pessoas simplesmente escolheriam o sistema de ensino que mais se identificassem, melhorando a compatibilidade de uma pessoa com um determinado método de ensino. Já não seria necessário existir uma escola física, as pessoas teriam liberdade de propagar a educação e o ensino da forma que acharem melhor. As crianças e adolescentes teriam maior prazer e vontade de aprender porque as matérias de ensino seriam mais próximas das suas aspirações e desejos. A apreço pelo conhecimento se relacionaria com a cultura da sociedade de uma forma jamais vista até hoje, com consequências que poderiam ser vistas e sentidas em todos os ramos da sociedade.

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[1] Ludwig Von Mises, Ação Humana, Capítulo 15
[2] Friedrich Hayek, O Caminho da Servidão, Capítulo 10
[3] Murray N. Rothbard, Educação: Livre e Obrigatória, Capítulo 3
[4] Ludwig Von Mises, Ação Humana, Capítulo 8
[5] Murray N. Rothbard, A anatomia do estado
[6] Murray N. Rothbard, A anatomia do estado
[7] Murray N. Rothbard, A anatomia do estado
[8] Murray N. Rothbard, A anatomia do estado
[9] Lew Rockwell, Vouchers escolares: o caminho mais “eficiente” para a
socialização da educação
[10] Murray N, Rothbard, O Manifesto Libertário


Disponível também para download em PDF: Educação - por Vinícius Scheffel | Versão 1


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